Chuá.........................................................pongue
MONJOLO D'ÁGUA
[Ao Historiador Alberto do Rego Rangel
(1871-1945)]#
Eurípedes Barsanulfo Pereira
Chuá... pongue, chuá... pongue, chuá...
Sem parar bates monjolo,
Gangorra colada ao solo
Da casa de Antônio Luiz;
Em cadência de relógio,
Despencas sobre o grotão
O maço da tua mão,
No centro do almofariz.
*
Chuá... pongue, chuá... pongue, chuá...
Sustentada na travessa
Das forquilhas, se arremessa
A bica d'água a flux;
Quando teu cocho transborda,
Tua haste sobe e engatilhas
Grunhindo sobre as cavilhas
Lamentos de taiaçus.
*
Chuá... pongue, chuá... pongue, chuá...
A água do gamelão
Para que estrondes pilão,
Sem apertar o teu passo,
Some em cascata no inferno;
E teu malho, a cada tombo,
Dança em baticum de bombo,
Um samba em lento compasso.
*
Foste ao talho do machado,
Do formão, e pela enxó,
Nascido num fazer dó;
História - não maranduba!
Dos caules do guatambu,
Das toras de canjerana,
Dos troncos da urucurana
E pés de maçaranduba.
*
Chuá... pongue, chuá... pongue, chuá...
Pênd'lo humilde e valoroso,
Jamais, ao gral, preguiçoso;
Mostras ter na lentidão
Divina sabedoria;
Tua alcunha é contradiça:
- Como chamar-te preguiça,
Se para nós fazes pão?
*
Chuá... pongue, chuá... pongue, chuá...
O monjolo a apisoar,
Descascar e despolpar,
Labora e geme sua bronca
Nos chumaços do pasmado;
Merece, após seus deveres,
Pilando tantos alqueires,
Descansar a haste na estronca.
*
Onde te achas incrustado,
O rego-d'água secou,
Tua faina se acabou;
E, para o meu desencanto
Esvaiu-se a Natureza;
Tua função agora é tétrica,
Pois, tocado à força elétrica
Teu jorro pra mim é pranto.
*
Inda assim, volto ao passado:
Os jacás se esvaziando,
Gamelas se repletando,
Milho e aipim dando farinhas,
Café e arroz às peneiras;
Vejo-te velho monjolo
E em pensamento me evolo
Pra vida que outrora tinhas!
*
Chuá... pongue, chuá... pongue... chuá...
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(Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 23-02-2000) |
# Alberto
Rangel (Historiador e Engenheiro), à sua época, reclamava da ausência de
composições poéticas que cantassem o monjolo e suas peças.
Em 23 de fevereiro de 2000, surge a poesia de Eurípedes Barsanulfo
Pereira, "Monjolo d'água", inspirada no monjolo da Fazenda Bálsamo
(Museu Histórico José Antônio Pereira), residência de seu bisavô Antônio Luiz
Pereira. O rego-d'água morreu, mas o monjolo reviveu. Hoje encontra-se
restaurado. À custa de um motor elétrico que bombeia água de um reservatório
(escondido sob o piso) para a bica, o velho monjolo passa a funcionar
perfeitamente como antes, ao simples toque de um interruptor. A água jorra sobre
o seu gamelão, como pode ser visualizado acima.
GLOSSÁRIO:
Aipim: Mandioca.
Alcunha: Apelido.
Almofariz: Pilão, gral.
Alqueire: Antiga unidade de medida de capacidade para
secos, equivalente a 36,27 litros. Unidade de medida para superfície agrária,
equivalente a 4,82 hectares (Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás) ou 2,42
hectares (São Paulo). Nesta trova, esta palavra foi utilizada no primeiro
sentido, isto é, como medida de volume.
Apisoar: Socar, pisoar, bater com o pisão.
Baticum: Pancada, batida, batucada.
Bica: Tubo, meia-cana, pequeno canal ou telha por onde
corre e cai água.
Bombo: Tambor.
Canjerana: Árvore da família das meliáceas (gênero
Cabralea) utilizada na fabricação de monjolo. Canjarana, pau-de-santo.
Cavilha: Peça de madeira ou de metal para juntar ou
segurar madeiras ou chapas. Possui nas extremidades: de um lado, uma cabeça; e
do outro, uma fenda que a mantém presa através de uma chaveta. No monjolo,
funciona como um eixo sobre o qual oscila a haste. Eixo.
Chuá: Utilizado aqui como termo onomatopéico do jorro
d'água, do cocho (gamelão) do monjolo para o sumidouro (inferno).
Chumaço: Peça de madeira sobre a qual gira o eixo
(cavilha) do monjolo, e que, às suas oscilações em gangorra, produz um chiado
que lembra o grunhido do porco-do-mato (taiaçu).
Cocho: Receptáculo em forma de tanque, escavado no
tronco da madeira, oposto à haste do monjolo. Transborda-se ao receber um certo
volume de água, cujo peso desequilibra-o para baixo, fazendo com que a mão do
pilão se levante na outra extremidade. Ao chegar bem junto ao solo, no máximo de
sua flexão, deixa a água se escoar no "inferno" ou sumidouro. Gamelão.
Despolpar: Expor, retirar a polpa (do café).
Enxó: Instrumento para desbastar madeira.
Estronca: Escora.
Evolo: De evolar-se, elevar-se voando. Desaparecer no
espaço, dissipar-se, desvanecer-se.
Faina: Trabalho.
Flux: Fluxo, jorro em grande quantidade, abundante, em
profusão.
Formão: Ferramenta de entalhe de objetos de madeira.
Forquilha: Tronco de madeira bifurcado, onde se apóia a
travessa que sustenta a bica d'água do monjolo.
Gamela: Peça de madeira em forma de prato ou travessa.
Gamelão: Gamela grande, cocho do pilão.
Gral: Pilão, almofariz.
Grotão: Buraco, depressão funda.
Grunhir: Provocar sons que lembram os emitidos pelos
porcos-do-mato.
Guatambu: Árvore da família das apocináceas (gênero
Aspidosperma), cujos caules são úteis para a fabricação de peças de
monjolo.
Haste: Peça longa de madeira que se constitui no
prolongamento oposto do cocho do monjolo, além de seu eixo de equilíbrio, e em
cuja extremidade está encaixada a mão de pilão.
Inferno: Local, no chão, em forma de receptáculo
côncavo, onde se escoa a água que transborda do cocho (ou gamelão) do monjolo.
Calabouço, sumidouro.
Jacá: Cesto feito de lascas de taquara, utilizado para
transportar as espigas de milho.
Jorro: Saída impetuosa de um líquido.
Maçaranduba: Árvore da família das sapotáceas, com
várias espécies (Manilkara elata, Mimusops huberi e Mimusops
subsericia). Dão madeiras vermelhas, duras e resistentes, ótimas para se
fabricar pilões e monjolos. Em Mato Grosso do Sul, o Ipê e o Bálsamo são muito
utilizados na fabricação de monjolos e pilões.
Maço: Parte da mão do pilão, arredondada e de maior
diâmetro, que entra em contacto direto com os grãos, socando-os.
Malho: Maço da mão do pilão. Mão de pilão, do monjolo.
Mão: Peça de madeira encaixada, verticalmente, na
extremidade da haste do monjolo através de um orifício. Sua parte inferior, mais
espessa ("maço"), bate no centro do pilão.
Maranduba: História inverossímel ou fabulosa.
Pasmado: Cavalete constituído de dois mourões que,
atravessado por um eixo (denominado também de cavilha), sustenta a haste do
monjolo. Virgem.
Pênd'lo: Pêndulo. Outro designativo para o monjolo.
Licença poética formada pela subtração da vogal "u" da palavra pêndulo,
apostrofando-se o "d", como artifício para que o termo soe em dois sons
(pên-dlu), ao invés de três (pên-du-lo).
Peneira: Instrumento circular fabricado com lascas de
taquara, que, trançadas, formam um receptáculo amplo e raso. Serve para separar
(peneirar) as cascas do arroz ou do café.
Pilão: Designação comum a diversos instrumentos que
servem para bater, triturar ou calcar. Instrumento de origem universal, que se
presta para triturar o milho ou descascar o café e o arroz. É constituído de um
receptáculo de madeira (almofariz, gral) e uma peça cilíndrica (mão do pilão),
cuja extremidade é arredondada e de maior diâmetro (maço), que se utiliza para
socar os grãos. Gral, almofariz.
Pilar: Pisar ou moer no pilão, apisoar.
Pongue: Utilizado aqui como termo onomatopéico para o
som estrondoso da batida do pilão.
Preguiça: Apelido dado ao monjolo, depreciativo à sua
lentidão.
Taiaçu: Mamífero da ordem dos artiodáctilos, conhecido
vulgarmente por porco-do-mato, queixada, cateto ou caititu.
Tranqueta: Pequena peça de madeira ou de ferro que serve
como trava, na extremidade do eixo sobre o qual oscila a haste do monjolo.
Travessa: Pequeno tronco de madeira, que, apoiando suas
extremidades nas forquilhas de dois esteios, sustenta a bica d'água.
Urucurana: Árvore da família das euforbiáceas
(Hieronyma alchorneoides) cujo tronco é utilizado para a construção de
monjolos. Urucuana, uricurana, aricurana, licurana, mangonçalo.
Virgem: Cavalete constituído de dois mourões que,
atravessado por um eixo (denominado também de cavilha), sustenta a haste do
monjolo. Pasmado.