ANTÔNIO LUIZ PEREIRA
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Aos 50 anos de idade |
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Aos 85 anos de idade |
(Monte Alegre de Minas: 21 de junho de 1853 - Campo Grande, Mato
Grosso do Sul: 24 de setembro de 1942). |
Quando se aborda as origens de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, emerge
naturalmente a figura ímpar de seu fundador, o destemido mineiro José Antônio
Pereira que, nos idos de 1872, constituiu-se no primeiro elemento humano, afora
os índios que circulavam por esta região, a fincar os pés neste dadivoso solo.
Naqueles tempos remotos, participando ativamente de todos os
lances da epopéia que resultou na fundação da cidade, sobressaía a presença de
Antônio Luiz Pereira, seu filho, no alvorecer da mocidade. Como era tradicional,
os varões da família costumavam secundar o chefe da prole, assimilando-lhe as
habilidades, em seus inúmeros afazeres.
Foi assim que Antônio Luiz, embrenhou-se pelos sertões, ao lado
de seu pai, à procura dos caminhos que os levassem aos campos grandes da
Vacaria. Pôs-se a cavalo pelos serrados mineiros, trazendo no alforje de sua
montaria a inseparável viola, companheira dos folguedos e melancolias desde a
adolescência.
A mudança de sua família fora uma determinação arrojada,
tendo-se em conta os riscos e as dificuldades da viagem. Planejamento e apronto
minuciosos, com dispêndio de grandes esforços; teria que ser, como foi, uma
resolução definitiva, desafio que somente os destemidos costumam enfrentar. Os
preparativos duraram longos meses e Antônio Luiz, que houvera participado desde
os primeiros instantes daquela verdadeira aventura, estava sempre ao lado de seu
pai, a coadjuvar-lhe, em todas as providências.
Pode-se imaginar a ebulição de sentimentos, o clima afetivo
daquela gente por ocasião da partida. À saída de Monte Alegre, o longo comboio
formado por numerosos carros de bois, cujo peso dos víveres; instrumentos de
lavoura; mudas, sementes e utensílios domésticos; enfim, das mudanças; faziam
chiar mais alto os eixos daqueles carros, como lúgubre canção de despedida.
A cada passo lento e cadente dos animais, pelas trilhas que se
abriam à frente, Antônio Luiz, com os olhos marejados de lágrimas, via
dissiparem-se à distância as fisionomias de seus amigos e o meigo semblante de
uma menina, que de lencinho branco abanando, despedia-se, na incerteza de um
"até-breve".
O jovem monte-alegrense, na verdade, nunca mais retornaria, mas
deixaria seu nome indestrutìvelmente marcado na memória dos companheiros de
juventude e dos habitantes daquele povoado. Muitas décadas após seria lembrado
como membro proeminente de uma Família que também houvera participado da
fundação de Monte Alegre:
"Com a junção já de outros aventureiros que seguiram o mesmo
itinerário, formaram uma agregação as famílias de Antônio Luis Pereira
(...)" (2)
Quis o destino que ele viesse encontrar, aqui, a senhorinha
Anna Luiza, filha de Manoel Olivério. Depois de quase três anos, entre namoro e
noivado, o casal acabou se consorciando, em quatro de março de 1878.
Com a divisão das terras, feita pelo Fundador, entre si, seus
filhos e genros, coube a Antônio Luiz a Fazenda Bálsamo. Ali, edificou a sede
com a ajuda de seu genitor, por volta de 1880. Foi erguido o casarão; o abrigo
para o carro de bois; construído o engenho de cana-de-açúcar; o monjolo no
trajeto de um rego d'água; o mangueiro; o paiol; cozinha e despensa, com tulha,
para armazenar cereais. Enfim, tudo quanto era necessário, para a acomodação e
sustentação de mais uma família nascente, nos moldes das construções das antigas
fazendas mineiras.
À semelhança do pai, Antônio Luiz também se tornou o Patriarca
de um dos ramos da vasta prole descendente de José Antônio Pereira. Anna Luiza
deu-lhe dez filhos. A primogênita Maria Luiza (Bilia), faleceu ainda jovem.
Somaram-se então: Manoel (Neca), Ana Luiza (Neguinha), Deolinda, Júlia, Belmira,
Laucídio, Olívia, Nestor e Carlinda. Exceto Maria Luiza e Olívia, todos os
outros multiplicaram-lhe a descendência.
O casarão da Fazenda Bálsamo tornou-se um ambiente
aconchegante. Para lá convergiam seus familiares e amigos, principalmente nas
épocas de férias escolares, aniversários e para as festas juninas de Santo
Antônio. Festeiro, tocador de viola, vovô Antônio Luiz fazia questão de reunir
em torno de si todos os seus descendentes.
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Antônio Luiz Pereira rodeado de netas, em 1942. Da esquerda para a direita, em pé: Margarida, Maria Barbosa, Elza, Graciana, Mariazinha e Erotildes (Tita); sentadas, em segundo plano, ao lado de Antônio Luiz: Juracy, Herondina, Belmira (filha de Antônio Luiz) e Evanilha (Lola); sentadas, em primeiro plano: Líbia (Bibe), Julieta e Lucila.
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Nessas ocasiões, nos inesquecíveis
serões que proporcionava, pito de palha no canto da boca e rodeado de netos e
bisnetos, costumava recordar os fatos pitorescos das viagens que empreendera
entre São Francisco das Chagas do Monte Alegre e a antiga Província de Mato
Grosso.
Sob sua liderança os Pereira mantinham várias atividades rurais
de subsistência, tais como a criação de gado leiteiro e de corte, a agricultura,
e a extração e comercialização de lenha do serrado. A leiteria era uma das mais
importantes, resultando na produção do leite in natura e seus derivados,
como queijo, requeijão e manteiga. A industrialização era artesanal, com o
envolvimento dos membros da família.
Com o casamento de seus filhos, Antônio Luiz foi lhes doando
suas terras. Logo a Fazenda Bálsamo era rodeada pelas propriedades de seus
herdeiros, continuando a ser o ponto de reunião de toda a sua gente.
Ali, até à idade provecta, manteve seus labores de pequeno
criador e agricultor. Era exímio carpinteiro, possuindo pequena oficina onde
produzia móveis caseiros e utensílios rurais, manejando com mestria o formão e a
enxó. Monjolos, carros de bois e seus petrechos, pilões, cochos e porteiras,
surgiam ao talhe de suas mãos hábeis. Tinha conhecimentos, também, de medicina
popular, produzindo suas mezinhas, sempre úteis e solicitadas pelos parentes.
Sem deixar de ser alegre e afável, era austero, e sua figura
humana inspirava respeito. Aos mais chegados despertava também sentimentos de
devoção. Voz grave e riso medido, era sábio em suas intervenções, granjeando a
confiança de todos.
Embora tivesse dedicado pràticamente toda sua vida a este
torrão de solo sul-mato-grossense, sua alma esteve sempre ligada à terra onde
nasceu. Não poucas vezes seus netos surpreendiam-no de pé, no portal de frente
de sua casa, absorto e nostálgico, mirando o zimbório do céu estrelado, ocasião
em que denotava, por frazes curtas, sua lembrança dos amigos - "lá de fora!...",
como costumava se referir a Monte Alegre de Minas.
Longos anos de uma convivência maravilhosa com filhos, netos,
bisnetos e sobrinhos, fixaram na memória de todos a imagem inelidível de um ser
carismático. Partiu naquela tarde de 24 de setembro de 1942, deixando, no
coração dos seus, imensa saudade.
Alquebrado pela idade avançada, aos 89 anos, sob os cuidados
extremosos de sua filha Ana Luiza (tia Neguinha) e poucos minutos após agradável
conversa com o inseparável neto "Neném" (Epaminondas Alves Pereira), proferiu
suas últimas palavras: - "filho, agora vou descansar um pouco...", e fechou os
olhos para sempre.
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Em 15 de outubro de 1942, Valério d'Almeida
escreveu, no Jornal "O Progressista", o artigo: "Campo Grande de
joelhos e de luto". (3) Seguem-se os principais fragmentos:
"Emudeceu para sempre a voz de um dos
co-fundadores do velho Arraial de Santo Antonio do Campo Grande.
Antônio Luiz Pereira, filho de José Antônio que
aqui chegara em 1875, faleceu cercado do conforto de sua numerosa
prole composta de filhos, netos, bisnetos, genros, noras e
sobrinhos. (...)
Com uma saúde invejável, enfrentou o último quartel
do século XIX e fechou as pálpebras à luz primaveril do mês de
setembro passado, quase ao meio do século XX, desertando suavemente
da vida tão cheia de angústias e de lágrimas.
Sua existência foi afanosa, toda ela dedicada ao
amanho da terra que cultivou com amor e carinho, levantando as bases
da herdade agrícola do "Bálsamo" que ficará para sempre denunciando
aos pósteros, o apego de Antônio Luiz à terra que serviu de berço a
todos os seus descendentes.
Ali, à beira de um fio d'água, sombreado de
arvoredos, ele e os seus, diuturnamente, foram assistindo ao
crescimento do arraial, do povoado, da aldeia, da vila e finalmente
da cidade, bem como o aumento da família que se alastrava pelos
arredores, em novos lares cada qual influenciado pelo convívio bom
dos seus ascendentes.
Lembro-me, menino ainda, quando lá fomos assistir
aos festejos de Santo Antônio, às vezes, sob invernias cortantes e
chuvosas.
O mau tempo nunca empanou o entusiasmo das festas,
nem tampouco diminuiu o ardor dos que iam compartilhar da alegria e
do teto da família Pereira.
Guardo como o cicio brando de folhas de palmeiras
ao vento, o aspecto brasileiro da pequena herdade: com casa de telha
vã, bem colonial; grande pátio cercado de pau-a-pique; ao fundo o
laranjal, o rego d'água e o monjolo escachoante e preguiçoso; ao
lado, o galpão sem paredes, os currais, e próximo à cerca, o carro
de bois cheirando à cabreúva nova, mal saída da enxó do carpinteiro.
Antônio Luiz foi um enamorado da natureza quase
virgem que conhecera quando criança, e nunca se adaptara em
definitivo ao ambiente da civilização, trazida nos apitos das
locomotivas.
Encanecido pelos anos, a barba branca caída ao
peito, só compreendia o transporte sobre o lombo do cavalo que
tornou familiar aos campograndenses, por mais de três décadas
consecutivas.
 Antônio Luiz Pereira em 1931
Rara era a semana que o velho Antônio Luiz não
cruzava as três léguas que o separavam da cidade, montado no seu
cavalinho, regressando ao lusco-fusco da tarde, ao brilho do luar ou
à luz das estrelas.
Ficou sendo um vulto histórico, principalmente pela
semelhança que tinha com seu pai, ao tempo dos primórdios do
arraial, quando a Rosa de Maracaju, adormecia aos lampejos dos
vagalumes ou acordava à burla dos guizos das tropas boiadeiras
chegando, cansadas, do triângulo mineiro.
Em 1933, ao comemorar o município o seu 34º
aniversário, e quando a cidade fazia a sua feira de amostras
inicial, erguendo ao alto da Avenida Afonso Pena o obelisco dos
povoadores, tomou parte ativa representando os seus antepassados,
cerimônia que ficou registrada numa fotografia mandada bater pelo
então comandante da circunscrição militar.
Tornou-se falado pela imprensa, seu retrato foi
inserido nas revistas e jornais da época como representante do
longínquo e minúsculo povoado.
Jovem ainda ajudou seu pai a erguer o pequeno
templo católico demolido em 1926, cuja cobertura era de telhas
jesuíticas de Camapuã.
Nesse pequenino templo se batizou e sagrou a sua
união matrimonial só dissolvida com o desaparecimento do casal.
Antônio Luiz encarnava, por sem dúvida, um desses
varões da antiga geração brasileira que aos poucos vai
desaparecendo, mas, deixam indelèvelmente gravados nas páginas da
história, os seus nomes para exemplo dos que lhes sucedam na hora
presente.
Este artigo é um preito de homenagem àquele que
tanto dignificou e honrou esta terra, daí não se referir a mais
ninguém senão ao vulto desaparecido.
Queremos prestar ao co-fundador de Campo Grande, as
honras a que faz jus a sua figura respeitável e legendária.
Para o seu túmulo marchamos levando humildemente a
braçada de flores da nossa imorredoura saudade, já que não nos foi
possível fazê-lo ante os seus despojos venerandos.
Diante do seu jazigo nos ajoelhamos e nos
descobrimos compungidos, despedindo-nos desse ancião que ajudou
Campo Grande a dar os primeiros passos.
Requiescat in pace..."
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BIBLIOGRAFIA:
1. CONGRO, ROSÁRIO: O MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE - ESTADO DE
MATTO GROSSO. Publicação Official, 1919.
2. DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE CULTURA, LAZER E TURISMO DA
PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTE ALEGRE DE MINAS: Dossiê para o tombamento do
monumento aos Heróis da Laguna.
3. D'ALMEIDA, VALÉRIO: Jornal O PROGRESSISTA: Ano X, Nº
944. Campo Grande, 15 de outubro de 1942 (páginas 1 e 4).
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